Minha amiga, sociologa e psicanalista Nilda Jock (niljock@hotmail.com) escreveu um texto para o site Minha Vida (http://www.minhavida.com.br/conteudo/10174-Os-outros-morrem-eu-nao.htm).
Os outros morrem, eu não
Saber lidar com a existência da morte é necessário
Por Minha Vida Publicado em 21/9/2009
Pensando bem, não é a morte que incomoda os seres humanos, mas o conhecimento de que ela existe. O moribundo nos desestrutura, fragiliza nossas defesas tão bem construídas contra a idéia de que nós também vamos morrer. Por isso temos nos tornado cada vez mais incapazes de dar aos que estão morrendo ou aos que sofreram uma perda muito significativa a ajuda, a atenção devida num dos momentos mais difíceis da vida, seja daqueles que estão partindo e muitas vezes precisam de consolo, de companhia, ou aqueles que estão banhados por um luto dolorido. Ficamos pasmos, constrangidos, embotados.
A civilização tem feito isso, isolando aquele que está agonizante. A morte é tirada de cena, passa por uma dissipação, é interceptada como um estorvo. Claro que tudo com muito cuidado e delicadeza sem deixar, contudo, de ser transformada numa fragmentação. A morte e tudo que lhe diz respeito é apartado, porque ela é a expressão mais desavergonhada da nossa decadência.
Lembro-me quando meu pai morreu. A relutância do meu marido em permitir que os nossos filhos, ainda crianças, fossem ao enterro do avô surgiu. O dilema que fiquei entre expor os despojos de uma vida que para eles foi tão importante e a idéia de que talvez fosse melhor que eles guardassem em suas memórias os olhos azuis vivos e a imagem dele brincando com os netos. Esse argumento venceu o gesto e esquivá-los do confronto com o cadáver do avô, com a morte, sua cor e impassividade própria foi o melhor caminho.
Pois é, isso já faz algum tempo, mas hoje pensando no curso que temos seguido no "processo civilizatório" e no incômodo diante da idéia de morte, me dei conta de que sou uma autêntica representante dos dias de hoje.
A morte é para todos uma situação de angústia primitiva, é o medo irrefreável de dissolução do ego. Um medo com o qual não lidamos, pelo contrário, estamos nos aprimorando em disfarçar esse desconforto peculiar dos vivos perante a agonia de uma vida em consumação. Será que um dia acharemos isso um horror e nos envergonharemos?
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