quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Minúsculos assassinatos e alguns copos de leite - de Fal Azevedo

O livro conta a história de Alma, uma artista plástica de 44 anos, que passa a limpo sua trajetória melancolizada por separações e mortes – pai, duas irmãs, marido, filha – constituindo uma delicada colcha de retalhos da vida, na busca de alguma felicidade em seu futuro. Num caminhar solitário e num tom de conversa consigo mesma, a personagem relembra, avalia e reinventa a própria vida.

E como o próprio texto previu na página 188, aqui começa a interpretação psicanalítica da obra.

A apresentação da narrativa remete à associação livre ao flutuar entre o passado e o presente, trazendo fragmentos que estão associados pelas emoções e pelas identificações. Reflete, também, o modo de funcionamento do psiquismo ao vivenciar o passado no presente, ao associar as situações e os sentimentos vividos na sua trajetória. Expõe cruamente as fantasias e os desejos de todos os tempos.

A história oscila entre os acontecimentos atuais e as lembranças desse percurso, apontando o entrelaçar do que foi e do que é na construção do que será. Mostra o fundo do poço da Alma (nos dois sentidos), onde ela permanece por algum tempo, até que uma fagulha de luz ilumina a profundeza mais profunda e, aos poucos, aparecem degraus nesse poço trazidos pelo renascer da esperança, oferecendo a possibilidade de uma nova vida.

O tempo da história revela o processo de luto. Do morrer parte de si junto com o morto até a recuperação da própria vida. É desse modo que Alma, perturbada pela dor que carrega consigo, começa a superar suas dificuldades e investir recursos em novas oportunidades, reconstruindo sua vida. Do princípio enclausurado e desesperançado, a fagulha de vida surgiu nos desabafos e nas trocas de experiências com outras pessoas através da internet. Foi seu primeiro passo para o investimento no outro. E foi além, ao realizar uma exposição de quadros e encontrar um novo companheiro.

A arte se apresenta como uma possibilidade de exprimir suas emoções, seus pensamentos, seus medos, suas reflexões, suas angústias. É através da pintura que Alma encontra um caminho saudável para lidar com sua melancolia. Como também o faz pela alimentação, expondo uma narrativa permeada por receitas diversas, cuja titulação é sempre um alimento. Sinaliza o desejo pela vida.

O texto desvela o processo de análise. Do sofrido início ao vivenciar as dores mais escondidas, mais secretas. Da conseqüente busca de recursos para lidar com tamanha angústia. Do esforço na procura de novos significados para as experiências vividas. E da conquista de novos espaços e possibilidades. O começo da narrativa (o início da análise) apresenta as dores mais profundas, muitas vezes num passado distante que está presente, enquanto que o presente em si pouco aparece. Este surge com o passar do tempo, tornando-se mais presente. Mas, o fim da história também indica que, por mais passado que o passado possa ser, e por mais presente que o presente possa estar, o passado não passa, embrandece.

Um comentário:

Unknown disse...

Bom dia, Claudia. Encontrei sue blog e fiquei curioso para conhecê-lo. Que grande achado eu fiz! Estávamos mesmo necessitados de um espaço onde os escritores e suas obras pudessem ser vistos e analisados mais de perto. Li o "Minúsculos...", gostei muito do que a Alma nos propõe do início ao fim de sua história, li vários comentários acerca do livro, mas nenhum me pareceu tão autêntico e nem pôde definir melhor a essência da Alma do que seu relato. Parabéns pela importante iniciativa.