domingo, 15 de fevereiro de 2009

O Leitor - algumas reflexões

O Leitor, romance de Bernhard Schlink, deu origem ao filme de mesmo nome, dirigido por Stephen Daldry, com Kate Winslet (Hanna), David Kross como o jovem personagem Michael, e Ralph Fiennes na idade adulta.

Michael Berg, um adolescente de 15 anos, é iniciado na relação sexual por Hanna Schmitz, cobradora de ônibus, de 36 anos. Seus encontros, que duram um verão, ocorrem como um ritual: banham-se, Michael lê poesias, contos e romances para ela e, então, mantêm relações sexuais. Estabelecem um vínculo profundo, que influenciará suas vidas futuras. A relação tem um fim abrupto, pois Hanna desaparece da vida de Michael, quando é informada de uma promoção no seu trabalho.

Alguns anos depois, Michael inicia a faculdade de direito e com sua turma de colegas e o professor acompanham um processo de acusação a ex-guardas de um campo de concentração nazista. Uma das acusadas e condenadas à prisão é Hanna. Após 20 anos, época em que sairia da prisão, enforca-se na cela, deixando seu dinheiro para ser entregue a umas das vítimas do holocausto, através de Michael.

O filme traz alguns questionamentos e aponta para a complexidade das possíveis respostas em relação ao povo alemão, indicando que qualquer julgamento em relação aos envolvidos não é simples, nem justo.

Em determinado momento do processo, o juiz pergunta à Hanna se ela realmente tinha escolhido 10 mulheres para levá-las à morte, ao que ela responde: “o que o senhor teria feito?” O silêncio é absoluto e o olhar perplexo de todos na audiência indica a complexidade da situação, ampliando a questão sobre a culpa e a conivência dos alemães na morte de tantos judeus. As críticas precipitadas e generalizadas ao povo alemão também podem ser injustas. As situações da vida não são tão simples e as pessoas são complexas o suficiente para impossibilitar uma genérica divisão entre vítimas e culpados.

Hanna, a princípio e aos olhos da testemunha que era prisioneira do campo de concentração, era considerada uma das guardas “boas”, pois escolhia as mulheres doentes para a morte ao invés das jovens e sadias. Desse modo, aponta para a bondade de Hanna numa situação limite, tentando ser um pouco mais justa diante de suas atitudes injustas. Porém, foi dito que ela comandava as outras guardas e era responsável pelo relatório que comprovava a morte das prisioneiras judias. As demais ex-guardas que também eram acusadas nesse processo, apontaram-na como a culpada pelos acontecimentos. Por vergonha de defender-se e confirmar que era analfabeta, Hanna assumiu a culpa para si. Assim, enquanto as outras ex-guardas receberam punições de 4 ½ anos de cadeia, Hanna foi levada à prisão perpétua. Essa situação demonstra a injustiça sofrida por Hanna perante as outras acusadas. Declara um mundo injusto, de verdades escondidas e situações manipuladas, dificultando, senão impossibilitando, qualquer julgamento – justo – diante da observação mais próxima dos fatos.

Outra situação que aponta para a dificuldade de fazer-se justiça é a própria existência desse julgamento que ocorreu a partir da publicação de um livro escrito por uma sobrevivente do holocausto, onde mencionou o nome das ex-guardas. Devido a divulgação midiática, foi aberto esse processo, porém inúmeros outros guardas não foram acusados nem sentenciados pelas suas atitudes. Hanna foi um bode-expiatório, e pagou com sua própria vida.

Michael viveu um grande conflito na época do julgamento, pois percebeu que Hanna era analfabeta e preferiu acusar-se como culpada a admitir-se iletrada. Ele poderia intervir no julgamento a favor de Hanna, porém interferiria na escolha dela. Além disso, precisaria assumir publicamente seu antigo romance secreto com uma ex-guarda que levou dezenas de mulheres à morte. Uma maneira sutil de discutir a responsabilidade moral individual e social, e suas consequências. O limite entre eu e o outro nem sempre é tão definido. Michael, por não influir na escolha de Hanna, foi conivente com sua decisão, e portanto, com uma mentira, com uma injustiça, com sua prisão perpétua. Aponta para a facilidade de acusação de conivência, para a moral individual e social que nem sempre se entrelaçam, para a complexidade de tais decisões que não é observada.

Deflagra que nossas pequenas atitudes parecem irrelevantes quando no âmbito pessoal, porém ganham grandes proporções no social, como no holocausto. A exemplo disso, Michael é responsável por uma nova esperança de vida para Hanna quando decide enviar-lhe gravações de livros para que ouvisse na cela. Porém, ele não responde as insistentes cartas da prisioneira, que começa a definhar de tristeza. No encontro anterior a libertação da acusada, Michael não demonstrou alegrias ou esperanças para Hanna, numa postura fria e distante. Quanto de sua atitude foi responsável pelo suicídio dessa mulher? Quanto se pode culpar Michael por essa morte? E conversando com o passado, quanto se pode culpar Hanna por um romance com um adolescente? Quanto se pode culpá-la por aceitar uma promoção no seu emprego, cuja verdade veio à posteriori? Quanto é possível prever as consequências das nossas escolhas e atitudes? Quando é possível voltar atrás?

Um comentário:

Laura Fuentes disse...

Esse filme me intrigou tanto...e lendo seu texto, fico pensando o quanto o (falso) jeito frio e aparentemente impessoal dele não contribuiu para a morte de Hanna?
Vou rever o filme agora à luz das questões que você levanta aqui. Ponto pro "Divã...".