quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Benjamin Button - o olhar do fim para o início

O Curioso Caso de Benjamin Button é um filme adaptado do clássico homônimo de F. Scott Fitzgerald, de 1929, dirigido por David Fincher e estrelado por Brad Pitt, Cate Clanchett e Tilda Swinton. Conta a história de um homem que nasceu velho e com o tempo tornou-se jovem.

Um relojoeiro cego de New Orleans recebeu a encomenda de fazer um relógio para a estação de trem da cidade. Seu filho foi morto na I Grande Guerra e desejando que o tempo voltasse para trás, e trouxesse seu filho à vida novamente, o relógio foi desenvolvido para rodar ao contrário. Foi inaugurado no dia de término da guerra. E foi nessa noite que Benjamin nasceu.

Para que Benjamin nascesse, sua mãe faleceu no parto, e por isso ele sempre lhe foi grato, por dar-lhe a vida com a própria vida. Seu pai, revoltado com a tragédia, vê o filho como um monstro e tenta matá-lo afogado nas águas do rio que atravessa a cidade. Um policial se aproxima, e o pai de Benjamin corre, deixando-o na porta de uma casa.

Sua escolha não foi consciente, mas foi precisa. Benjamin foi deixado na porta de um asilo administrado por um casal negro, cuja esposa – Quennie – não podia engravidar. Foi acolhido de imediato por ela, que logo chamou o médico do asilo para examiná-lo. Era um bebê com aparência de velho. Cego pela catarata, quase surdo, com dores devido a artrite. O médico disse que iria morrer em breve. Mesmo assim, Quennie queria cuidar do bebê, indicando uma aceitação incondicional.

Além da inversão do caminhar do tempo – da velhice para a infância, havia também o descompasso entre a aparência e o desenvolvimento de suas capacidades. Era velho na aparência, mas seu desenvolvimento psico-motor era adequado à sua idade cronológica. Conforme o relógio andava para trás, o bebê crescia e ficava mais novo na sua aparência.

O filme aponta para relacionamentos baseados no preconceito e como isso é um fator limitante e dificultoso no trato social e familiar. Quennie, uma mulher negra que não podia ter filhos, devido um desejo intenso, supera qualquer estranheza que poderia causar-lhe um bebê com aparência de idoso, e o recebe como filho. Os demais idosos da casa relacionam-se com Benjamin como mais um idoso do asilo, sem perceberem que ele remoça ao invés de envelhecer, apontando para a superficialidade das relações e a impossibilidade de ver o outro além da sua aparência física. Laços tão enfraquecidos o direciona a solidão.

Também nessa direção é levado devido a diferença em relação ao outro. No seu caminho inverso, não se identifica com as pessoas a sua volta. E ainda, preocupa-se em não ser compreendido, afastando-se do convívio social mais prolongado.

A questão do tempo, entre a vida e a morte, adquire outro ponto de vista para Benjamin. Enquanto ele remoça, as pessoas a sua volta envelhecem. Ele convive com a experiência da morte de entes queridos desde cedo, pois fez várias amizades com os idosos do asilo. Do seu ponto de vista, todos estão próximos da morte, enquanto ele parece se distanciar. Porém, preocupa-se com seu fim, pois imagina que não haverá ninguém vivo para cuidar dele quando alcançar os primeiros meses de vida – ou os últimos.

Essa experiência as avessas torna-o uma pessoa muito pouco rancorosa, que sabe perdoar, permite-se voltar atrás nas suas decisões e é insistente na busca de seus objetivos. Um homem aventureiro, que busca muitas e diferentes experiências. O filme é um exercício de imaginação caso o rumo da vida fosse da velhice para a infância, e a idéia transmitida é que o ser humano seria mais complacente, saberia lidar melhor com as dificuldades da vida, embora – no fim – haja sempre a solidão.

sábado, 17 de janeiro de 2009

A Favorita

Para quem não acompanhou - nem de longe - a novela A Favorita, Lara é filha biológica de Flora, uma criminosa violenta que matou dois amantes e o pai de um desses amantes. Porém, a menina foi criada como filha legítima de Donatela, viúva do primeiro amante de Flora. Na clássica versão do bem x mal, Donatela representava o bem com um tom humanizado, pois era passível de raiva em diversas situações. Flora era representante absoluta do mal, desumanizada por não haver nem um traço de bondade em seus sentimentos. Durante toda a trama, Lara mostra-se identificada com Donatela, quem a criou. Embora temperamental, Lara participa do grupo do bem.

No último capítulo, coloca-se a questão da hereditariedade x meio ambiente. Flora, sob a mira do revolver de Lara diz que o destino da filha está atrelado ao seu. Lara atira, indicando a força da hereditariedade na formação do caráter de uma pessoa. Entretanto, contrariando a provocação de Flora e influenciada pela solicitação desesperada de Donatela, Lara não a mata. Donatela vibra ao dizer que Lara é, sim, sua filha. O desfecho aponta para a supremacia do meio ambiente sobre a hereditariedade na consitituição do caráter de uma pessoa.

Mas, essa discussão não tem fim. Nem a ciência, nem os filósofos, nem os psicanalistas, e nem os escritores podem apontar uma resposta definitiva. Na minha opnião, cada caso é um caso.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

O divã do escritor

Muito antes da existência desse blog, o divã do escritor já existia. Em janeiro de 2008 escrevi o texto abaixo, e nem imaginava que ele teria um lugar tão apropriado como este.

O divã do escritor

Você não sabe do que eu estou falando. Você não compreende. É muito diferente, sabe, a formação de um escritor. Não existe uma faculdade, um curso, alguém que ensine a escrever. Aliás, ser escritor não é só saber escrever. Isso aprendemos no colégio. Basta ser alfabetizado. Mas, ser escritor não é isso. É difícil explicar. Exige uma formação. Muita leitura, muita reflexão e muita escrita. Mas, tudo isso não garante que alguém seja escritor. Eu quero muito ser um escritor, por que ainda não sou, mas também não sei se vou conseguir. Eu não sei o caminho. Todos dizem: leia muito e escreva muito. Eu faço isso, e há tempos, mas ainda não me sinto escritor. Acho que você não entende.


Ao ouvir essas palavras soube exatamente do que se tratava. Ele também não imagina o que é a formação de um psicanalista. Muita análise, muita leitura, muita supervisão. E tudo isso não garante a formação de um bom profissional. Não é um diploma, um certificado que irá atestar se um sujeito é, ou não, analista. A pessoa precisa se autorizar a realizar esse tipo de trabalho. E isso não implica em ser um bom clínico.

Aquele homem à minha frente, deitado no divã, angustiado com as dores da transformação subjetiva provocada pela formação, atrai a lembrança da minha trajetória na Psicanálise. Aflitiva. Sofrida. Tormentosa. Eu reconheço nesse analisando a mesma angústia, a mesma ansiedade, a mesma comoção que acompanhou-me por anos.

Ouço-o abordando as questões do tempo e da quantidade. Quanto tempo? Quanto tempo preciso para tornar-me um escritor? Quanto tenho que ler, quanto tenho que escrever? Quando estarei pronto? Mal sabe ele que não há regras. Não há modelos a serem seguidos. Não há respostas. Cada qual tem o seu próprio tempo, sua singularidade e sua liberdade. O percurso de cada um é único. Mas, isso ele também já ouviu, e diversas vezes. Talvez, o que ele ainda não tenha ouvido, poderei dizer-lhe agora: a formação é um processo permanente.

Eu sabia, você não entende. Eu não sei qual o caminho para tornar-me escritor. Não sei o que tenho que fazer. Ler e escrever eu faço, e muito. Mas, isso não resolve. Eu continuo não sendo um escritor.

Escutando seu desabafo penso que o percurso é longo, e com o tempo, ele reconhecerá seu desejo e o desejo de ser reconhecido como escritor.

domingo, 11 de janeiro de 2009

Id x Superego em Batman - O cavaleiro das trevas

Bruce Wayne é um milionário playboy bem sucedido nos negócios, rodeado por mulheres e poderoso cidadão de Gotham City. Com a ajuda de seu fiel mordomo Alfred e o inventor científico Lucios, vive uma outra faceta: Batman, o justiceiro que persegue os criminosos que afligem a população, buscando limpar a cidade dos malfeitores. Porém, cada vez mais pessoas acreditam que o Homem Morcego tornou os criminosos mais cruéis e violentos. Os críticos o acusam de tudo, desde colocar a população em perigo até de ter um comportamento insano. E como consequência, aparece Coringa. Um criminoso anárquico e amoral.

Há um justiceiro na cidade devido uma crescente onde de crimes e uma polícia corrupta, aliada ao crime e a máfia. Espaço convidativo à justiça pelas próprias mãos, uma vez que a polícia e o governo são fracos. Os jovens se identificam com a figura do salvador Batman, e saem pelas ruas fantasiados tal qual o homem morcego, fazendo justiça com as próprias mãos a favor de suas questões pessoais. Identificam-se com o herói contraventor. Uma tentativa de estabelecer uma ordem no caos, dar existência a uma lei que permita a convivência em sociedade.

Bruce não reconhece seus limites humanos, não entra em contato com sua raiva e sua dor pela morte dos pais. Busca a paz da cidade que ele não encontra em si. Desse modo, Batman é um herói atormentado, que caminha no limite entre a justiça dos homens e a que deseja fazer com as próprias mãos. Precisa controlar a todo o momento sua raiva e seus impulsos agressivos para não quebrar as regras, embora ele seja um contraventor por não ser policial. Coringa busca desafiar Batman em seu limite. Tenta fazer com que ele quebre as regras, insuflando sua raiva e sua dor, e mostrar que é corruptível.

Coringa é um criminoso psicopata, perverso, anárquico, manipulador, que desafia mais pelo enfrentamento psicológico do que pelo físico ou estratégico. Diz que é um agente para o caos, deixando as pessoas com medo por aterrorizá-las em situações que não estão esperando que aconteçam. Sabe como as pessoas reagem e manipula as situações para que elas façam aquilo que ele deseja. Ele dita o tom do filme, é responsável por todos os acontecimentos apresentados, até mesmo sua prisão. Ele entende que Batman é a figura que dá sentido à sua existência enquanto propagador do caos. Sente inveja de Batman por sua força e controle de suas emoções, tentando destruí-las.

Harvey Dent é um promotor público que combate o crime em Gotham City. Foi conhecido como duas caras por atitudes oportunistas. Atuando dentro da lei, conseguiu prender muitos criminosos. Batman pensa em sair de cena, deixando que a Lei prevaleça. Porém, Coringa consegue corromper Dent com a morte da sua namorada Rachel, e ainda mais, com sua deformidade no rosto por queimadura, tornando-o de fato duas caras. Ele é corrompido pela raiva e pela dor da perda da amada, passando para o lado do mal.

Há um duelo equilibrado e longo entre Batman e Coringa. A briga tem tamanha importância para eles que ambos pagam qualquer preço pelo duelo, até mesmo colocando a própria vida e das pessoas que amam em risco. Den é um terceiro nesse triângulo que pode ser visto como o elo fraco, que sede às emoções e age impulsivamente diante da sua tragédia.

Batman não mata Coringa por duas vezes na tentativa de obedecer a lei e mandá-lo preso, pois se o fizesse estaria se corrompendo. Coringa não quer matar Batman, mas provar que ele também é corruptível. Coringa não quer vencer o bem, ele quer mostrar que ninguém resiste ao mal. Coringa acredita que todos são corruptíveis e Batman que as pessoas são do bem. Den traz a humanidade, o bem e o mal dentro de si.

A luta entre o bem e o mal pode ser vista como a luta entre as pulsões agressivas e a obediência às regras da civilização. Den representa o conflito do humano que ora vivencia a obediência ora é tomado pelas pulsões. Coringa é pura pulsão agressiva, amoral, não se intimida diante de regra alguma. Batman apresenta um conflito entre suas pulsões e seus valores, porém com um esforço sobre-humano consegue silenciar sua pulsão em boa parte e manter-se fiel aos seus valores, embora deixe algo escapar ao ser um contraventor da lei.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Feios, Sujos e Malvados - o outro lado do outdoor

Assistindo ao filme Feios, Sujos e Malvados (Ettore Scola) e refletindo através do ponto de vista do texto O Mal-estar na Civilização, de Sigmund Freud, eu diria que essa família representa um grupo da Horda Primeva. O Grande Pai, que tudo pode, detém o poder representado pelo dinheiro, e todos da família querem tirá-lo do topo da hierarquia. A questão do texto aponta para a natureza grosseira do ser humano. Porém, devido a necessidade maior de sobrevivência, vê-se obrigado a conviver em grupos, surgindo regras para o bom convívio. Desse modo, reprime sua natureza animalesca para possibilitar o advento civilizatório. O que o filme mostra é o lado de trás do out-door, o lado da pulsão de morte, da natureza grosseira do homem.
Comer a carne, e simbolicamente engolir o poder do pai, naquele contexto do filme está dirigido ao repasto totêmico, inaugurando a ordem do simbólico. Pois, até então, o simbólico não permeava as relações da Horda Primeva. A comilança da carne foi uma primeira tentativa de romper com o primitivo, porém a pulsão de morte se impôs, trazendo a repetição da cena. E, no fim, o pai manteve-se como absoluto detentor do poder.
* Foto: Nino Manfredi no filme Feios, Sujos e Malvados.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Madame Satã no divã

Acredito que o filme Madame Satã procura cutucar as idéias contrapostas de bom x mau, saúde x doença, questionando a moral da época, ao mostrar logo no início o personagem machucado, fragilizado, que deve ter apanhado muito da polícia, sendo sentenciado culpado. Indica que ele é um marginal, e nos incomoda. No decorrer do filme, ele é mostrado com seus impulsos agressivos, mas também os amorosos, criando uma identificação com o personagem. No fim do filme, ao mostrar novamente a face dele machucada, sentimos pena. É um jogo interessante, pois o repudiamos no início por representar a marginalidade que aflige a sociedade, o patológico, e no fim ele nos toca como um ser humano, com problemas, dificuldades, com amores e com ódios. Como nós.

O personagem do filme mostra-se inserido na sociedade de modo pouco adequado. Tem suas próprias regras, que nem sempre estão de acordo com as sociais, aproximando-o do crime. Vivencia as situações com poucos recursos internos para lidar com suas frustrações. Um personagem guiado pelas pulsões, com um superego fragilizado e enfraquecido pela debilidade do ego.

Pode-se categorizar essa personalidade como perversa, pois o ego está cindido. Parte não consegue lidar com a castração, afastando-se da realidade, e parte consegue. A personalidade perversa é pré-genital, e o próprio órgão genital é excluído do prazer sexual. A ordem pré-genital de relação acaba por estender-se a todas as relações objetais, ou seja, relações parciais com o objeto, onde a agressividade se faz presente com freqüência.

É significativo Madame Satã querer ser artista por diversas razões. Uma delas é a possibilidade de atuar suas fantasias concretamente, o que também é um traço da perversão. Uma outra é a flexibilidade que a arte permite em relação às normas sociais. Ao artista são permitidas algumas escorregadas que não são permitas ao indivíduo comum. É uma forma interessante de dar um caminho para um psiquismo não tão ajustado à civilização, mas que consiga estabelecer-se de algum modo inserido na sociedade, na ordem.

O filme apresenta cenas desfocadas, subexpostas e superexpostas. As cenas expressionistas podem relacionar-se a emoção provoca reações desmedidas. A emoção explode. As cenas impressionistas interpretei de um modo relacionado ao foco, ao que dou importância, ao que chama minha atenção. E o que está fora de foco é descartado. É aquilo que não quero enxergar. Pensando sobre o patológico e o normal, o foco direciona nossos pensamentos, nossas rotulações, nossas avaliações. É o foco que define se Madame Satã é marginal, artista ou doente.

A ferida aberta, as dores do ser humano, são escancaradas pela arte. Provoca pensamentos e emoções que na maior parte da vida tentamos nos afastar, negar. Mas, não é possível negar totalmente aquilo que é do homem, aquilo que é da vida. Essas coisas precisam de representações para evitar a loucura, fazendo-se assim necessária a arte, que também é repudiada por mostrarmos o que não queremos ver. Madame Satã/João apreende esses dois lados. Madame Satã, na sua arte, mostra a beleza, a sensibilidade, o amor e esse modo é bem aceito pela sociedade. Porém, João apresenta o lado agressivo, violento, de moral própria que é repudiado pelos demais. E é esse lado que é punido pela sociedade, quando João é condenado à prisão. Mas, no fim do filme, depois de termos acesso à sua arte, ele é o artista não compreendido pela sociedade, injustiçado, e sentimos pena de Madame Satã.
* Foto: cena do filme Madame Satã - ator Lázaro Ramos