sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

O divã do escritor

Muito antes da existência desse blog, o divã do escritor já existia. Em janeiro de 2008 escrevi o texto abaixo, e nem imaginava que ele teria um lugar tão apropriado como este.

O divã do escritor

Você não sabe do que eu estou falando. Você não compreende. É muito diferente, sabe, a formação de um escritor. Não existe uma faculdade, um curso, alguém que ensine a escrever. Aliás, ser escritor não é só saber escrever. Isso aprendemos no colégio. Basta ser alfabetizado. Mas, ser escritor não é isso. É difícil explicar. Exige uma formação. Muita leitura, muita reflexão e muita escrita. Mas, tudo isso não garante que alguém seja escritor. Eu quero muito ser um escritor, por que ainda não sou, mas também não sei se vou conseguir. Eu não sei o caminho. Todos dizem: leia muito e escreva muito. Eu faço isso, e há tempos, mas ainda não me sinto escritor. Acho que você não entende.


Ao ouvir essas palavras soube exatamente do que se tratava. Ele também não imagina o que é a formação de um psicanalista. Muita análise, muita leitura, muita supervisão. E tudo isso não garante a formação de um bom profissional. Não é um diploma, um certificado que irá atestar se um sujeito é, ou não, analista. A pessoa precisa se autorizar a realizar esse tipo de trabalho. E isso não implica em ser um bom clínico.

Aquele homem à minha frente, deitado no divã, angustiado com as dores da transformação subjetiva provocada pela formação, atrai a lembrança da minha trajetória na Psicanálise. Aflitiva. Sofrida. Tormentosa. Eu reconheço nesse analisando a mesma angústia, a mesma ansiedade, a mesma comoção que acompanhou-me por anos.

Ouço-o abordando as questões do tempo e da quantidade. Quanto tempo? Quanto tempo preciso para tornar-me um escritor? Quanto tenho que ler, quanto tenho que escrever? Quando estarei pronto? Mal sabe ele que não há regras. Não há modelos a serem seguidos. Não há respostas. Cada qual tem o seu próprio tempo, sua singularidade e sua liberdade. O percurso de cada um é único. Mas, isso ele também já ouviu, e diversas vezes. Talvez, o que ele ainda não tenha ouvido, poderei dizer-lhe agora: a formação é um processo permanente.

Eu sabia, você não entende. Eu não sei qual o caminho para tornar-me escritor. Não sei o que tenho que fazer. Ler e escrever eu faço, e muito. Mas, isso não resolve. Eu continuo não sendo um escritor.

Escutando seu desabafo penso que o percurso é longo, e com o tempo, ele reconhecerá seu desejo e o desejo de ser reconhecido como escritor.

Um comentário:

Lu Faria dos Anjos disse...

Cláudia!!!!!!!!!!
Quero ser a primeira a parabenizá-la.
Amei, amei, amei! Acredito que "eu", mais do que ninguém, estava aguardando, um blog deste nível e neste campo. Estarei acessando diariamente, pois suas análises serão primorosas para meus trabalhos e com certeza este seu novo blog será citado em minhas bilbiografias.
Parabéns, parabéns e ...Parabéns!
E acima de tudo obrigada por compartilhar seus conhecimentos psicanalíticos conosco.
Mil beijos
Lu Faria
libélulaviva.blogspot.com